Um teste para a Rainha

[Maynard Smith(1976)] trabalhou matematicamente a questão de se a evolução continuaria ou não à mesma taxa na ausência de mudanças físicas no ambiente. Se a resposta fosse sim, a hipótese da Rainha Vermelha seria um modelo razoável, mas não foi isso que ele concluiu. De acordo com seus resultados preliminares, a hipótese da Rainha Vermelha seria estruturalmente instável e, portanto, não deveria ser predominante na natureza.

Em um estudo posterior, realizado conjuntamente com Stenseth, Maynard Smith volta atrás e, corrigindo certos aspectos de seus modelos anteriores, afirma que a hipótese da Rainha Vermelha é um quadro bem plausível, sendo a dinâmica característica em ambientes nos quais dominam as interações bióticas e o ambiente físico é relativamente estável. Em ambientes sujeitos a grandes mudanças nos aspectos abióticos, a dinâmica de uma estase pontuada, conhecida por ``equilíbrio intermitente'' Eldredge72, prevaleceria Stenseth83. Esse modelo matemático foi recentemente corroborado por dados paleontológicos, indicando que uma pluralidade de modelos evolucionários (entre eles o gradualismo filético da Rainha Vermelha, e o equilíbrio intermitente) pode ocorrer, dependendo das circustâncias ambientais: ambientes estáveis favorecem mudanças graduais, mas contínuas, de acordo com o modelo da Rainha Vermelha; enquanto ambientes instáveis, que podem variar rápida e dramaticamente, onde os organismos não respondem evolutivamente a cada flutuação ambiental a qual são submetidos, promovem estase evolutiva com eventos de mudanças descontínuas e, em relação ao tempo geológico, instantâneas Sheldon96.

O que a hipótese da Rainha Vermelha estipula é que a evolução seja algo como caminhar em uma esteira rolante: é preciso estar sempre movimentado-se para permanecer no mesmo lugar. A analogia sustenta-se porque o ambiente pode ser enxergado como em constante deterioração para uma determinada espécie, que necessita então, como resposta, estar em permanente processo de adaptação. Isso em nada contradiz o darwinismo do mais clássico e ortodoxo, sendo talvez esse o motivo para a hipótese não parecer muito impressionante aos olhos de certos pesquisadores: não há nada na teoria evolucionária que prediga que a probabilidade de extinção de um taxa deveria diminuir conforme aumenta sua idade, pois a seleção natural promove adaptação ao ambiente contemporâneo, mas não antecipa o futuro Foin75. Nesse ponto, a hipótese só enfatiza algo que já estava implícito nas formulações evolucionistas de Darwin: a adaptação das espécies não é um caminho rumo a um estado perfeito porque, uma vez que uma espécie se estabelece, o nível de ajustamento ao ambiente em que vive, composto de fatores bióticos e abióticos, não melhora, mas apenas é mantido por meio de adaptações subseqüentes devido à seleção natural Lewontin78.

Testar a hipótese da Rainha Vermelha em bases empíricas concretas tem-se revelado uma tarefa surpreendentemente difícil. Embora a Lei da Constância da Extinção já seja largamente aceita e tomada por garantida Hoffman91 - devido a uma série de estudos paleobiológicos que tenderam a confirmar sua realidade histórica Hoffman84,Wei83 -, a hipótese da Rainha Vermelha não está em uma situação assim tão favorável. Por muito tempo ela não foi formulada de maneira precisa o suficiente para gerar predições que pudessem ser confrontadas com dados empíricos Hoffman91. Comparar o modelo da Rainha Vermelha com o Modelo Estacionário é particularmente complicado porque nenhum dos dois pode ser identificado como acomodando melhor as evidências. Isso se deve a que um ambiente abiótico constante é a condição sine qua non onde os modelos geram resultados antagônicos: mudança biótica continua (relativamente autônoma ao ambiente abiótico) de acordo com a hipótese da Rainha Vermelha, e zero de especiação e de extinção no modelo estacionário. O principal problema envolvido com essa comparação é que longos períodos de constância abiótica no ambiente são muito raramente representados no registro geológico, e talvez simplesmente não ocorram de fato na natureza. Um agravante é que efeitos bióticos e abióticos não são de forma alguma independentes; ambos se influenciam mutuamente e não há maneira de distinguir entre uma mudança biótica primária e uma resultante de prévia mudança abiótica no ecossistema. [Hoffman(1991)] acredita que, apesar de um teste definitivo precisar vir de dados paleontológicos, esse teste pode-se mostrar mesmo irrealizável para a hipótese da Rainha Vermelha.

Uma outra linha de teste para a hipótese da Rainha Vermelha, apenas rapidamente esboçada por [Van Valen(1974)], consiste em acompanhar o processo co-evolucionário em espécies ecologicamente relacionadas. [Van Valen(1974)] reconhece que é difícil demonstrar inequivocamente a pressuposição do soma-zero, mas observa que esse tipo de jogo é facilmente detectável em relações do tipo presa-predador ou hospedeiro-parasita, pois o que é melhor para um é obviamente pior para o outro (um caso de ótimos mutuamente incompatíveis). Dessa forma, a hipótese da Rainha Vermelha prevê ``Guerras Armamentistas'', com predadores se aprimorando para obter suas presas, e as presas por sua vez se aprimorando em escapar dos predadores; hospedeiros se esforçando para despistar seus parasitas e parasitas tentando constantemente enganar as defesas dos hospedeiros. Essa abordagem parece ter rendido maiores frutos Martens00 e tem dominado os estudos sobre a hipótese da Rainha Vermelha a partir da década de 90.

A hipótese da Rainha Vermelha foi originalmente desenvolvida como uma explicação ad hoc para algumas observações paleontológicas Valen74, mas seu poder explicativo cresceu muito desde então. Passou a compor uma noção de evolução mais sofisticada, integrada e ecológica, e constituiu um grande avanço para uma investigação evolutiva da sucessão fóssil em termos de padrões e processos mais gerais Hallam76. Desde então tem sido usada para explicar fenômenos diversos tais como as corridas armamentistas, respostas imunológicas e organizações ecológicas, e mesmo a manutenção da reprodução sexuada Ridley93.

Leonardo 2003-12-20