Mutualismo e o efeito do Rei Vermelho

A maioria dos organismos está envolvida direta ou indiretamente em interações mutualísticas Herre99. Quando uma interação desse tipo estabelece-se entre duas espécies diferentes, ambas beneficiam-se; além disso, certas alterações na interação podem trazer benefícios adicionais para uma delas, ou mesmo para ambas Bergstrom03.

Para entender como este tipo de associação evolui e mantém-se, duas questões básicas devem ser respondidas: o que faz com que estas interações persistam ao longo do tempo evolutivo e como os benefícios resultantes serão alocados entre os participantes. A maioria dos estudos teóricos até hoje tentaram responder a primeira questão. Recentemente, [Bergstrom and Lachmann(2003a)Bergstrom & Lachmann] estudaram a segunda questão, dando considerável atenção às taxas de evolução relativas e, portanto, às taxas de mudança de estratégia.

Para o estudo destas questões, utilzou-se, basicamente, teoria dos jogos. Esta teoria consiste no estudo sobre a tomada de decisão num contexto social. A teoria dos jogos provê um conjunto de ferramentas para a análise de problemas de decisão que um indivíduo enfrenta quando seu destino depende tanto de sua própria escolha quanto da escolha de outros capitulo.

O problema da barganha envolve dois indivíduos que têm a oportunidade de colaborar para o benefício mútuo em mais de uma maneira. No caso mais simples, que foi considerado no clássico artigo de [Nash(1950)] (onde ele mostra a existência de solução para este problema), nenhuma ação tomada por um dos indivíduos sem o consentimento do outro pode afetar o bem estar do outro.

Um importante conceito da teoria dos jogos é o de equilíbrio de Nash Rubinstein82: combinações de estratégias para cada participante de maneira que nenhum participante pode ganhar a partir de uma mudança unilateral de estratégia. Apesar dessas ferramentas serem comprovadamente valiosas em biologia, muitos jogos apresentam múltiplos equilíbrios de Nash, indistinguíveis pela teoria básica Samuelson97.

Para resolver este problema de seleção de equilíbrio é necessária uma extensão do conceito de equilíbrio. Uma extensão que teve sucesso derivou do trabalho de [Maynard Smith and Stenseth(1978)Maynard Smith & Stenseth]. Esta extensão baseou-se no estudo de como o processo evolutivo, i.e., evolução por seleção natural pode proporcionar a seleção de certas estratégias numa população de jogadores. A isso damos o nome de Teoria Evolutiva dos Jogos capitulo.

[Bergstrom and Lachmann(2003a)Bergstrom & Lachmann] estudaram como os benefícios de uma interação mutualística serão alocados entre os participantes. Para tanto, o conceito de equilíbrio de Nash não é suficiente; os jogos de divisão de recursos relevantes tipicamente apresentam equilíbrios múltiplos de Nash Nash53,Rubinstein82,Osborne90. Como o espaço de estratégias possíveis para interação interespecífica é enorme, e porque a dinâmica evolucionária pode ser difícil de aplicar a jogos com espaços de estratégia muito grandes, [Bergstrom and Lachmann(2003a)Bergstrom & Lachmann] tentaram encontrar um modelo discreto mais simples que captura a essência do problema. Tal estratégia às vezes é descrita como uma abordagem de mini-jogos Sigmund01.

Como estavam interessados em situações onde múltiplos equilíbrios de Nash existem, mas diferentes jogadores têm diferentes preferências sobre o conjunto de equilíbrios, [Bergstrom and Lachmann(2003a)Bergstrom & Lachmann] adotaram um jogo do tipo coordenado com dois equilíbrios de Nash e nenhum incentivo para vício em um acordo cooperativo uma vez estabelecido. Cada jogador pode fazer uma oferta generosa ou egoísta, com a matriz de pagamento da Figura 3.

Quando $k=1$, temos o mini-jogo da barganha de Nash. Quando $k=1,5$, o lucro inteiro é retido e repartido igualmente; o jogo torna-se, então, um jogo Hawk-Dove com benefício de recursos 1 e custo 3 pela luta. Quando $k=0$, duas ofertas generosas levam a uma falha de coordenação tão severa quanto a resultante de duas ofertas egoístas: os jogadores sofrem uma completa perda da interação mutualística e o jogo resulta ser uma versão padrão do jogo da batalha dos sexos. Então, o parâmetro $k$ desempenha um papel importante na determinação do efeito da taxa de evolução na seleção do equilíbrio Bergstrom03,capitulo.

Vamos discutir brevemente a dinâmica local do mutualismo, como apresentado por [Bergstrom and Lachmann(2003a)Bergstrom & Lachmann]. No modelo discreto apresentado (ver Figura 3), vamos denotar por $x$ a freqüência de jogadores egoístas na espécie 2, $y$ a freqüência de jogadores egoístas na espécie 1, a dinâmica é dada por

$\displaystyle \dot{x}$ $\textstyle =$ $\displaystyle mx(2(1-y)-(2(1-y)x+(y+k(1-y))(1-x)))$ (12)
$\displaystyle \dot{y}$ $\textstyle =$ $\displaystyle ny(2(1-x)-(2(1-x)y+(x+k(1-x))(1-y)))$ (13)

Vamos começar analisando o caso onde $k=1$. A Figura 4 (Esquerda) mostra um conjunto de trajetórias evolucionárias de uma dinâmica de replicadores onde as duas populações estão evoluindo a taxas iguais. Com probabilidade $1$, a estratégia egoísta é fixada em uma população e a estratégia generosa é fixada na outra, os dois equilíbrios dinâmicos estáveis. O equilíbrio dinâmico é determinado pelas condições iniciais; o conjunto de pontos que cuja dinâmica leva a um dado equilíbrio é chamada domínio de atração daquele equilíbrio.

Para determinar com certeza qual o ponto de equilíbrio será atingido em uma dada dinâmica, precisamos conhecer as condições iniciais. Quando estas não são conhecidas, uma medida razoável da probabilidade de se atingir um dado equilíbrio pode ser feita comparando-se os tamanhos dos domínios de atração.

Embora as taxas de evolução relativas não afetam a posição das linhas cinzas, elas influenciam a forma da separatriz (Figura 5). Dependendo dos pagamentos do jogo, mudanças na forma da separatriz podem aumentar o domínio de atração ao redor do equilíbrio favorecendo a espécie mais lenta ou o equilíbrio favorecendo a espécie mais rápida. A Figura 2 mostra as trajetórias evolucionárias para $k=1,5$. Aqui, o domínio de atração ao redor do ponto de equilíbrio superior esquerdo aumenta na medida em que a taxa de evolução relativa da espécie 1 diminui. Ou seja, quanto mais devagar a espécie 1 evolui, maior a chance de atingir seu equilíbrio favorável. [Bergstrom and Lachmann(2003a)Bergstrom & Lachmann] chamaram isto de ``efeito do Rei Vermelho''.

[Bergstrom and Lachmann(2003a)Bergstrom & Lachmann] apontaram que este fenômeno pode explicar uma observação curiosa reportada por [Doebeli and Knowlton(1998)Doebeli & Knowlton]. Em suas simulações de evolução de mutualismo, baseadas em um modelo de iteração do dilema do prisioneiro, encontraram que a espécie com evolução mais lenta recebia maiores pagamentos (Figura 3C do trabalho em questão).

Parceiros que interagem mutualisticamente podem evoluir a taxas diferentes por muitas razões, incluindo diferenças no tempo de geração, na importância da interação, no tamanho das populações e na quantidade de segregação de variação genética Dawkins79.

De uma maneira geral, a assimetria nas taxas de mudança de estratégia vem sendo tratada como uma relação antagonista, onde se trava uma corrida armamentista e, de acordo com a hipótese da Rainha Vermelha, quem tiver a maior taxa de mudança de estratégia deve ser privilegiado na alocação de benefícios. Todavia, [Bergstrom and Lachmann(2003a)Bergstrom & Lachmann] mostraram que o mutualismo favorece taxas de evolução mais lentas, o que denominaram efeito do Rei Vermelho, o que faz sentido sob a luz da teoria econômica da barganha.

Se um jogador tem suas opções limitadas, ameaças feitas por este jogador podem ter mais credibilidade e, ao mesmo tempo, ameaças contra este jogador podem ser menos eficientes. Como a suceptibilidade a ameaças atua como um fator determinante do poder de barganha de um indivíduo, esta é uma vantagem significativa. Podemos ver o processo co-evolucionário como uma negociação na qual o risco de quebra de cooperação funciona como uma ameaça imposta por uma espécie para a outra Bergstrom03.

Apesar dos modelos de mutualismo não conferirem com a dinâmica da Rainha Vermelha, [Castrodeza(1979)] coloca que na verdade o mutualismo confere com a base teórica de jogo de soma-zero. Pode ser, então, que a Rainha Vermelha esteja presente em diversos aspectos da natureza evolutiva dos organismos; dessa forma os modelos precisariam ser remontados tendo em vista uma melhor aproximação com a natureza para assim, de fato, refutar ou comprovar a Rainha Vermelha não apenas em seu plano prático, mas também em seu fundamento teórico.

Leonardo 2003-12-20