São Paulo, segunda-feira, 07 de outubro de 2002

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TRAVESSIA HOLANDESA

Empresas levam grupos para caminhar na maré baixa em tours iniciados na Província de Groningen

Cruzar mar de lama é esporte na Holanda 
LUCIANO GRÜDTNER BURATTO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Para quem acha que o Brasil atravessa um mar de lama, a Holanda já passa por isso há 40 anos. O seu mar de lama se chama Wad, fica ao norte do país e pode ser cruzado na maré baixa.
Todo ano, mais de 20 mil pessoas literalmente caminham sobre as águas do mar de Wad, do continente até as ilhas que o separam do mar do Norte. Outubro é o fim da alta temporada de caminhada na lama, mais forte no verão, porém há uma agência que oferece o passeio o ano todo, pois alguns esportistas apreciam a paisagem invernal (veja quadro).
A profundidade das águas de menos de 3 m é responsável por um ecossistema diferenciado. Pássaros aproveitam o ciclo das marés -12 horas entre alta e baixa- para capturar mais peixes e navegadores constroem barcos largos e de baixo calado para transportar seus produtos.
Desde a década de 60, caminhar sobre o Wad é uma atividade organizada. Embora o mesmo tipo de relevo ocupe parte do litoral alemão e dinamarquês, só na Holanda o esporte é praticado.
Empresas levam grupos de dez a 120 pessoas para as diferentes ilhas da região, como a Schiermonnikoog (pronuncia-se "srrir-monikó"), com cerca de 900 habitantes e um parque nacional. Fica a 17 km ou cinco horas de caminhada do continente. A caminhada começa a 3 km do litoral, próximo ao vilarejo de Westernieland, na Província de Groningen.
O mar é separado do norte da Holanda por três diques. Trata-se de colinas artificiais de dez a 14 metros de altura construídas em grande parte com argila e sustentadas por asfalto e grama.
Correm em paralelo por todo o litoral, assegurando a terra conquistada sobre o mar. Mais de um quinto do território holandês foi obtido assim. O dique mais recente na região tem 30 anos. As ovelhas dos diques ajudam a prensar a argila com suas patas e a aparar a grama, que contribui para manter coesa a estrutura.
O primeiro tipo de lama, no trajeto, é escorregadio na superfície e cremoso, como alguns queijos. Isso torna a caminhada cansativa, pois a lama suga os pés e leva os tênis menos firmes. Após longos 30 minutos, ou somente 2 km, começam as desistências.
O grupo, de 70 pessoas, inclui pré-adolescentes e idosos, que podem voltar acompanhados de um guia, como Annette Toren, 33, que tem outra profissão, mas usa a atividade para relaxar e se manter em contato com a natureza. Após o trecho inicial, o solo se torna arenoso e duro, permitindo acelerar o passo.
A excursão começa três horas antes de o mar chegar ao nível mais baixo. Com isso, parte do trajeto é percorrido sobre águas rasas (20 cm de profundidade), como numa caminhada à beira da praia. A diferença é que não há terra à vista num horizonte de 360 graus. Nesses trechos, é possível observar algas, caranguejos e pequenos vermes marinhos. Distantes, pássaros sobrevoam a região. Biólogos estudam o ecossistema em casas construídas sobre palafitas, vistas à distância.
Nem todo o mar seca na maré baixa: 20% da área é poupada. A região serve de criadouro para algumas espécies de peixes do mar do Norte, que procuram as águas mais quentes do mar de Wad.
O percurso também inclui cinco "rios" -correntes submarinas que formam canais no fundo do mar. O último rio, a cerca de 800 metros da ilha, é o mais profundo: chega a 1 m.
Os guias contam com rádios para se comunicar com os grupos e celular para falar com bases em terra. As agências que organizam a atividade sempre recebem informações sobre clima e marés do serviço meteorológico holandês. Toda essa tecnologia difere do tempo em que levavam pombas na caminhada e as liberavam após atravessarem trechos mais difíceis para informar às bases.
Na chegada, o grupo é recepcionado pelos diques. O sul da ilha é protegido pela estrutura, e o norte, por dunas. Ao longe é possível ver o barco que comunica a ilha com o continente e que leva os caminhantes de volta.
Schiermonnikoog, como outros destinos de caminhadas, pertence à Província da Frísia, cuja população é orgulhosa de suas tradições e cultura. O frísio é falado por 300 mil pessoas.
Após curto descanso e troca de roupas sem muita privacidade, o grupo vai de ônibus para o vilarejo de Schiermonnikoog. Lá degusta as tradicionais panquecas locais no restaurante De Sapkûm ("o prato de sopa", em frísio). Mas é preciso caminhar um pouco mais para encontrá-las.

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