Virus usa 'armadura' para proteger DNA
LUCIANO GRUDTNER BURATTO
Folha de S. Paulo

Os bacteriofagos, virus que atacam bacterias, sempre chamaram a atencao por sua armadura. O que nao se sabia era que essa analogia medieval se sustenta tambem do ponto de vista molecular: cientistas descobriram que o bacteriofago HK97 se protege com redes de proteinas, formando "correntes moleculares" que lembram malhas de ferro medievais.

Essas estruturas em forma de corrente sao chamadas, sintomaticamente, de
catenanos. Somente dois tipos de catenano haviam sido identificados ate'
agora: os de DNA, em que cada fita simples circular forma um elo na corrente, e os sinteticos.

O novo tipo, descrito na ultima edicao da revista "Science", mostra que o capsideo (capa de proteinas que envolve o DNA do virus) usa catenanos na sua constituicao.
Science
"Cabeça" do vírus HK97, que tem estrutura similar às cotas de malha metálica medievais,   formada por anéis entrelaçados de moléculas chamadas catenanos (por analogia com os elos de uma cadeia)
"E' a primeira vez que esse tipo de organizacao e' observado em proteinas", diz William Wikoff, do Instituto de Pesquisas Scripps (EUA), autor principal do estudo.

Segundo Wikoff, essa estrutura abre novas perspectivas para o estudo de
associacoes de proteinas. "Os catenanos fazem com que o capsideo seja muito
estavel e, ao mesmo tempo, muito fino."

A estabilidade resulta de uma combinacao de dois fatores. O primeiro e' o arranjo espacial das proteinas gp5, que compoem o capsideo. Elas se associam em grupos de cinco (pentameros) ou seis (hexameros), em formatos de pentagonos e hexagonos.

O segundo fator sao as ligacoes covalentes (fortes) entre os grupos
(hexameros ligados entre si, ou ligados a um pentamero).

O capsideo, apesar de resistente, e' fino. Suas paredes tem apenas 18 angstrons (decimo de bilionesimo de metro). O interior, contudo, tem um
diametro de 541 angstrons. Da' para guardar muita coisa nesse involucro
molecular.

"Seria possivel armazenar drogas no capsideo, como se ele fosse um
conteiner. Para inserir um farmaco, poderiamos acoplar uma molecula
sensivel 'a luz, de forma a abrir ou fechar o conteiner, conforme a
necessidade", diz Henrique Toma, professor do Instituto de Quimica/USP.

Os quimicos vem tentando sintetizar catenanos ha' tempos. A descoberta da
arquitetura do virus abre uma nova via para a nanotecnologia: "Acreditava-se que os catenanos fossem puro capricho da natureza. Agora, estamos vendo que eles tambem tem importancia biologica", afirma Toma.
 

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