Setembro 2001
 Edição 26.451
 Segunda, 03/09/2001
 Tiragem 399,960
 TURISMO
 

 Cascatas, rochas e mata de araucárias se escondem na névoa que cobre a região

 Neve dá tom europeu a Urubici

 LUCIANO GRÜDTNER BURATTO
 FREE-LANCE PARA A FOLHA
 A serração branca e úmida move-se e deixa entrever pouco a pouco uma imensa pedra com um furo no meio. Trata-se da pedra Furada,
 formação rochosa com um buraco de 30 m de diâmetro e que fica no ponto culminante da região Sul do Brasil, o morro da Igreja.
 Localizado no município de Urubici (SC), o morro fica a 1.828 m de altitude e está se tornando parada certa para os visitantes da cidade que
 buscam cenários inusitados e um pouquinho de frio.
 A região é uma das mais gélidas do país: a neve costuma aparecer no inverno e entortar os galhos das araucárias, árvore predominante na
 paisagem serrana. Em junho de 96, a temperatura no morro chegou a -17ºC.
 O cenário está constantemente coberto por uma névoa densa e inquieta, resultado da movimentação de massas de ar úmido que se formam no
 oceano Atlântico e se fixam no planalto Meridional. No inverno, as gotículas de água gelam e caem na forma de neve.
 O local é estratégico para o governo. Em 1985, foi concluída a construção de um radar pela Aeronáutica cuja função é vigiar parte do espaço
 aéreo brasileiro e fornecer informações sobre meteorologia para aeronaves.
 O morro da Igreja e a pedra Furada são apenas algumas das belas paisagens da região, que conta ainda com cascatas íngremes, como a do
 Avencal, a Véu de Noiva e a do rio dos Bugres, esta última com 120 m de queda livre vertical, e algumas cavernas, resquícios de habitações de
 povos indígenas.
 Nas terras do município fica o Parque Nacional de São Joaquim, onde é possível encontrar curicacas, aves de bico longo e torto que emitem
 um som rasgado, e bugios, macacos peludos cujo nome é dado a uma dança tradicional dos fandangos da região.
 O parque, porém, ainda precisa ser implementado. Criado em 1961, tem poucas áreas isoladas. Ainda não foram liberadas as compensações
 ambientais para os donos dos terrenos, e sua exploração para fins científicos e de visitação ainda está prejudicada.
 Fotografia e neve
 O registro das principais nevascas na pequena cidade de 10 mil habitantes foi feita pelo fotógrafo Orquiso Rei de Oliveira, 74. Suas fotos estão
 no site e nos folhetos da cidade, além de ilustrar parte desta reportagem.
 Seu Orquiso, como é conhecido, é um tipo de guia informal do município. "Continuo buscando novas paisagens e novos ângulos para as já
 conhecidas." Sempre disposto, ele dá dicas aos visitantes, estimulando sua curiosidade com fotos marcantes. Sua loja, no centro da cidade,
 tem registros da história urubiciense e fotos de seus primeiros habitantes.
 Com orgulho, relata a empreitada da construção da igreja matriz, que foi iniciada em 1965 e cuja primeira missa ocorreu em 1973. "A
 população doava caixas de tomate ou sacos de batata para a paróquia. Além de ajudar na sua construção, concorria a prêmios."
 A obra foi realizada graças ao padre José Espíndola, responsável pela construção do hospital local e a quem se atribuem mais de 240 graças
 alcançadas.

 

 Araucária típica está ameaçada de extinção

 FREE-LANCE PARA A FOLHA
 A serra catarinense é rodeada pelo pouco que resta da mata de araucárias, formação vegetal característica do planalto Meridional e que tem no
 pinheiro-do-paraná (Araucaria angustifolia) seu principal representante.
 Embora tenha uma das menores áreas entre as matas brasileiras, esse tipo de vegetação apresenta grande valor econômico por ser
 homogênea.
 O pinheiro pode ser aproveitado de várias maneiras. Na indústria, é utilizado na produção de caixas, móveis e palitos de fósforo. Pode ser
 usado também como árvore ornamental em parques e jardins. E sua semente, o pinhão, serve de alimento.
 A espécie, nativa do Brasil, está ameaçada de extinção. A árvore cresce normalmente em áreas acima de 500 m de altitude e precisa de uma
 alta quantidade de chuvas para se desenvolver.
 O clima subtropical e o relevo da serra catarinense trazem esses dois componentes, essenciais para o desenvolvimento da espécie. Seu corte
 foi proibido na região.
 Gralha-azul
 As sementes de araucárias são disseminadas naturalmente pela gralha-azul, ave típica da região, que pode ser facilmente observada nos
 pinheiros existentes nos arredores da cidade.
 A beleza das araucárias pode ser notada por sua individualidade _cada uma tem um conjunto próprio de galhos e copas elípticas que, em meio
 à névoa presente no inverno, assemelha-se a uma galáxia vagando no vazio.
 Além de ser responsável pelo espetáculo das araucárias, a gralha-azul também dá nome à rádio da cidade, que funciona como uma espécie de
 celular rural.
 Todos os dias, o radialista transmite recados de moradores que estão na cidade e que precisam se comunicar com algum conhecido em
 localidades distantes do centro de Urubici, onde não existe telefonia fixa.
 (LGB)

 

 Turismo pode substituir decadente indústria madeireira

 FREE-LANCE PARA A FOLHA
 A economia de Urubici é baseada na produção de hortifrutigranjeiros, que crescem no solo fértil do vale do rio Canoas. O clima temperado
 também favorece a produção de maçãs e a criação de trutas, peixes de água fria.
 A cidade, porém, se originou com a vinda de indústrias madeireiras para a região, nos anos 50. No final da década de 80, contudo, os
 empregos minguaram com o fechamento da maioria delas, que se deslocaram para o Norte do país. Das mais de 30 madeireiras em atividade
 na época, restam hoje apenas duas.
 A debandada das empresas deixou um rastro de desemprego e devastação. A mata de araucárias, que pertence à mata atlântica e cobre os
 três Estados do Sul, teve sua área reduzida a 6.000 km² dos 200 mil km² originais, segundo dados da Fupef (Fundação de Pesquisas
 Florestais do Paraná).
 O auge da exploração ocorreu nas décadas de 50, 60 e 70. Nesse período, a araucária chegou a corresponder a 5% do valor de todas as
 exportações brasileiras.
 Hoje, porém, a atividade está em franca decadência devido à redução na quantidade de espécimes e às ações restritivas do Ibama e da Polícia
 Ambiental.
 "Quando o Ibama chegou à cidade, em 1990, a indústria madeireira já estava decadente. Os estoques remanescentes não justificam mais a
 atividade econômica", diz Luis Alberto Fernandes, 55, diretor do Parque Nacional de São Joaquim, em Urubici, rebatendo as críticas de que
 teria sido a instituição a responsável pelo fechamento das empresas.
 Para ele, madeireiros e população deveriam se unir para regularizar o parque nacional, a fim de criar uma área protegida para as araucárias e
 evitar sua extinção.
 Manejo
 A discussão, porém, é inflamada. "A Polícia Ambiental devia ensinar a plantar pinheiros e não sair multando madeireiros, mesmo aqueles que
 seguem planos de manejo", reclama Eniovan José de Oliveira, gerente da Imadex, uma das duas madeireiras que restaram no município. Sua
 empresa tem permissão para serrar até dezembro. "Depois, não sei o que vai acontecer", lamenta.
 O plano de manejo prevê o corte de um determinado número de árvores que apresentem troncos com mais de 40 cm de diâmetro. Segundo
 Oliveira, porém, muitas pessoas na zona rural estão serrando árvores ainda pequenas para evitar problemas no futuro.
 Isso porque o corte de pinheiros, mesmo que não implique ganho comercial, está proibido na região. Dessa forma, um agricultor poderá ser
 multado, por exemplo, se derrubar um pinheiro que esteja atrapalhando sua atividade ou o acesso à fazenda.
 Saída turística
 O turismo pode ser uma saída para a região. Segundo dados da Santur (Santa Catarina Turismo), cerca de 150 mil turistas visitaram a serra
 catarinense em 2000. Só para Lages foram 101 mil, um aumento de 59% em relação a 1998.
 "Os índices de retorno são de 97%, o que comprova a hospitalidade do povo serrano", diz Daniel Ubaldo Binatti, presidente da OST
 (Organização Serrana de Turismo), que congrega os 18 municípios da região, incluindo Lages, São Joaquim e Urubici.
 Na opinião de Binatti, o maior entrave ao desenvolvimento na região é a falta de financiamentos com juros baixos e prazos longos, necessários
 para investimentos em turismo.
 (LGB)

 

 Cardápio de aventura na região tem rali de jipes

 FREE-LANCE PARA A FOLHA
 Os fãs de esportes radicais têm uma opção diferente em Urubici. A cidade organiza todos os anos uma competição com jipes por trilhas que
 incluem atoleiros e um frio de rachar. "Neste ano, faziam -4ºC na largada. Muita gente se assustou", conta Dilmo Israel, tesoureiro do Jeep
 Clube Leão da Serra, em Urubici, que realiza há sete anos o evento, sempre no último fim de semana de julho.
 Na última edição, participaram 40 jipes de diversas localidades do Estado, como Blumenau, Florianópolis, Itajaí e Jaraguá do Sul, além de
 pilotos do Paraná e do Rio Grande do Sul.
 Foram 94 km de trilhas, 45 km dos quais em terrenos fechados, de difícil acesso, previamente abertos pela organização do evento. "Variamos
 as rotas a cada ano para propiciar novos cenários aos competidores e evitar a degradação das matas", explica Israel.
 A competição tem 25 pontos de cronometragem, locais aonde os competidores precisam chegar exatamente nos horários determinados pelos
 organizadores _cada minuto a mais ou a menos implica a perda de pontos.
 O desafio é encontrar os caminhos, traçados em planilhas, e superar as dificuldades naturais, como os atoleiros e o frio. A prova tem duração
 de sete horas.
 Os ganhadores _piloto e navegador_ levam um troféu. O evento não faz parte do campeonato catarinense da categoria. "Nosso intuito é apenas
 desenvolver o esporte", justifica Israel.
 Parapente e rapel
 Outro esporte que tira proveito do cenário natural de Urubici é o vôo livre. Em fevereiro, durante as comemorações da Fenahort (Festa Nacional
 das Hortaliças), que ocorre todos os anos na cidade, foi realizado um torneio de parapente (tipo de pára-quedas).
 A rampa de decolagem, uma das melhores do Estado, fica a 1.410 m de altitude num local conhecido como morro do Oderdeng, a 3 km do
 centro da cidade.
 Esse tipo de evento, no entanto, ainda é esporádico em Urubici. "As condições da estrada que dá acesso à rampa ainda são precárias",
 explica José Sálvio Rodrigues, 39, que coordena a atividade no município.
 As escarpas íngremes da região também permitem a prática do rapel. É o caso da cascata do Avencal, a 6 km do centro. Localizada a 1.200
 m de altitude, apresenta uma queda-d'água vertical de cerca de 100 m, condição perfeita para a prática do esporte, que consiste em descer,
 com cordas, cascatas e cachoeiras.
 No pé da queda-d'água, em meio à permanente neblina, forma-se uma piscina natural, onde é possível tomar banho.
 (LUCIANO GRÜDTNER BURATTO)

 Jeep Clube Leão da Serra: 0/xx/49/ 278-4295 ou 4244
 Informações sobre parapente e vôo livre: 0/xx/49/278-5074

 

 Hóspede de fazenda participa das atividades do cotidiano rural, como ordenhar vacas e colher frutos

 Turista sente na pele dia-a-dia de serrano

 FREE-LANCE PARA A FOLHA
 Mais do que um hotel no meio do campo, o que os turistas procuram cada vez mais na zona rural é participar das atividades de uma fazenda e
 sentir na pele o dia-a-dia do serrano.
 Com vista nisso, além da estada, algumas pousadas em Urubici estão oferecendo um leque de atividades comuns na rotina dos locais, mas
 que se tornam atrações para os visitantes urbanos, principalmente para aqueles que vêm de grandes cidades.
 Naquelas propriedades onde há pomares, é possível colher frutos. Onde há açudes, uma opção é a pesca. E, se houver vacas, o visitante pode
 aprender a tirar leite.
 Dentre as pousadas que reúnem algumas dessas características está a fazenda da Invernada, a quatro quilômetros do centro da cidade (veja
 diárias deste e de outros meios de hospedagem na região no quadro ao lado). A fazenda foi criada há mais de um século por José Saturnino de
 Oliveira, um dos fundadores de Urubici.
 Lá, o visitante pode ter um gostinho dos hábitos daqueles tempos. Foram preservadas guampas (chifres) de boi ocas, usadas como copo pelos
 tropeiros que cavalgavam pela região. Também é possível encontrar um legítimo guampão, chifre oco de boi franqueiro (de aspas grandes),
 usado para coalhar o leite.
 A fazenda passou de pai para filho e hoje é gerida por Gláucia Oliveira Rodrigues, bisneta de Saturnino, e pelo marido, José Sílvio Rodrigues.
 Há três anos, o sítio foi aberto ao público.
 Camargo
 Além de usufruir do cenário relaxante, o hóspede pode participar de algumas das atividades da fazenda. Uma delas, logo cedo, é a ordenha das
 vacas da propriedade. O leite é vendido a uma empresa de laticínios de Lages, maior cidade da serra catarinense.
 Durante a estada, o visitante pode apreciar um camargo _café guarnecido com leite tirado na hora, o que produz uma bebida quente e
 espumante.
 Embora o camargo seja delicioso, seu consumo exige moderação, pois pode funcionar como laxante para quem não está acostumado com a
 bebida.
 O leite da fazenda também é utilizado para fazer rosquinhas de coalhada, uma das iguarias servidas no café da manhã, junto com diversos
 tipos de bolinhos fritos e torta de farinha de milho.
 Para completar a orgia gastronômica, o hóspede da fazenda da Invernada pode se deliciar com o pinhão _cozido ou na forma de paçoca_
 oriundo dos pinheiros da propriedade.
 Verão e inverno
 A pousada já recebeu visitantes de terras frias, como ingleses e suecos, e de terras quentes, como baianos e paraibanos, o que sugere um
 potencial de turismo para o ano todo na região.
 "No verão, recebemos pessoas cujo principal destino de férias é a praia. Elas dividem o tempo com o campo, em parte, para fugir do caos da
 alta temporada", observa a dona da pousada.
 Nessa época do ano, o clima quente facilita as caminhadas pela floresta de araucárias e torna menos penosos os banhos nos rios, que cortam
 a maioria das fazendas do município.
 (LUCIANO GRÜDTNER BURATTO)