Mau funcionamento do lobo temporal e parietal pode levar à discalculia, 
deficiência na faculdade de calcular; brasileiro criou teste para diagnóstico

+ CIENCIA
O físico que esqueceu a tabuada
LUCIANO GRUDTNER BURATTO
Free-lance para a Folha

O físico A.A., 47, passou pelo maior pesadelo de sua profissão: perdeu parte da capacidade de lidar com o cálculo matemático. A.A. sofre de discalculia.

 Uma lesão no lobo temporal esquerdo do cérebro resultou em uma diminuição na capacidade do físico de memorizar informações por
curto espaço de tempo (memória de curto prazo), o que prejudicou seu desempenho nas mais elementares operações, como soma e subtração. Ele frequentemente se esquece do "vai um" na adição, por exemplo.

 Sua memória de eventos distantes no tempo (memória de longo prazo) também sofreu com a lesão. A.A. esqueceu parte da tabuada e tem dificuldade para lembrar os algoritmos (série de passos) de operações matemáticas básicas. Ele precisa esforçar-se, por exemplo, para relembrar o algoritmo da divisão.

 O caso foi diagnosticado por Cláudio Guimarães, professor do curso de pós-graduação em psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP. Para o diagnóstico, foi utilizado um teste neuropsicológico (das habilidades mentais) criado por ele. Segundo Guimarães, o teste, chamado de SP-MAT, é o primeiro do gênero no país. O trabalho foi apresentado em 1996 no 18º Congresso Anual da Sociedade de Ciência Cognitiva, nos EUA.

 "A presença de distúrbios específicos de cálculo não é normalmente avaliada em testes aplicados em pacientes com lesão cerebral. Mas a
discalculia é bastante comum, pois está frequentemente associada a outros tipos de lesão cerebral. É um distúrbio que tem tratamento", diz.

 A memória, principalmente aquela que lida com imagens mentais (processamento visual e espacial), está intimamente ligada à capacidade
de realizar cálculos. Para executar uma adição mental é necessária a construção de uma representação interna dos números que estão
sendo somados, do "vai um" e do resultado de cada soma parcial.

 Um bom parâmetro para saber o nível de dificuldade de uma operação matemática é observar a quantidade de espaço no papel que ela
ocupa. "Com base nisso, chega-se a uma linha crescente de dificuldade: subtração, adição, divisão e multiplicação", afirma Guimarães.

 Isso foi verificado em A.A., que cometeu mais erros de multiplicação (47%) e divisão (33%) do que de adição (15%) e subtração (12%)
na resolução do teste. Além disso, quanto maior o número de linhas e colunas envolvidas na operação matemática, maior a frequência de erros. 

Um centro para o cálculo
 Lesões no lobo parietal inferior, região vinculada à visualização espacial mental, e no lobo temporal podem resultar em discalculia.

 Embora A.A. apresentasse lesão apenas no lobo temporal, uma análise tomográfica do seu cérebro mostrou que também não estavam
funcionando normalmente áreas do lobo parietal e occipital (veja tomografia do físico na pág. 26). Isso indica que, além da memória de
curto prazo, também estaria prejudicada sua habilidade para formar imagens mentais dos problemas.

 O cientista Stanislas Dehaene, em estudo que utilizou fMRI (ressonância magnética funcional), mostrou que áreas do lobo parietal nos dois hemisférios cerebrais (veja figura acima) são ativadas durante a resolução de tarefas envolvendo cálculo aproximado (2+2 é mais próximo de 5 ou 7?).

Essas regiões, porém, não são ativadas durante tarefas que envolvam cálculo exato (2+2 é igual a 4 ou 5?). A conclusão foi que a capacidade de estimar magnitudes, necessária ao cálculo, envolve o recrutamento de neurônios no lobo parietal e  independe da linguagem, que está mais relacionada à execução de tarefas de cálculo exato.

 "Mas não se pode dizer que o lobo parietal seja o centro do cálculo. Trata-se de uma zona de convergência de diversas funções cerebrais, incluindo principalmente a memória de trabalho visual e espacial. O cérebro não vem pré-moldado", diz Guimarães.
 

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