Amnésicos sonham com Tetris, mas não lembram que jogaram
Jogo foi usado em estudo sobre papel do hipocampo
LUCIANO GRÜDTNER BURATTO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Estudo publicado na "Science" de hoje mostra que pessoas com amnésia produzem imagens hipnagógicas de eventos mesmo sem saber de onde elas vieram.

Essas imagens são formadas quando alguém está sonolento, na transição vigília-sono (estágio 1 do ciclo do sono). Pessoas normais que acabaram de aprender Tetris viam imagens dos bloquinhos do jogo caindo e girando no ar durante o estágio 1.

Os cientistas observaram que amnésicos também viam os blocos, embora não melhorassem o desempenho no jogo, pois não memorizavam suas regras. 

Eles apresentam lesão no hipocampo, região do cérebro responsável pela memória declarativa (fatos recentes, com data e local). Para aprender Tetris, acreditava-se que só a memória procedural era necessária. 

Esse tipo de memória, que não é prejudicada em amnésicos, é responsável pelo "como fazer" alguma coisa (andar de bicicleta, por exemplo).

Com memória procedural intacta, os pacientes não aumentaram a pontuação. O aprendizado do jogo, portanto, deve depender também da
memória declarativa.

As atividades realizadas durante o dia são "revistas" pelo cérebro à noite. No sono, ocorre a transferência de informação entre o hipocampo e o córtex cerebral, que consolida a memória.

"Sem hipocampo, os amnésicos não têm nada a transferir", diz Robert Stickgold, da Escola Médica de Harvard (EUA), um dos autores do
estudo.

Essas imagens funcionam como um ensaio para o teatro que se arma entre hipocampo e córtex durante os ciclos do sono. Quando começam
os sonhos, as imagens reaparecem fora de contexto e associadas a outras recordações.

Ambos os grupos viam imagens flutuando, sem mencionar que se originavam do jogo. Mas só os normais diziam sentir emoções ligadas ao jogo, o que indica a memória do contexto (veja quadro).

 "Alguns diziam: 'por que será que nunca vinha o bloco de que eu precisava?'", conta Stickgold. Os participantes do estudo vestiam uma touca com sensores e uma fita adesiva sobre o olho, que detectava o início do sono pela redução dos movimentos oculares.

Nesse momento, eram acordados automaticamente. Um gravador perguntava sobre o que pensavam e registrava a declaração. Para os amnésicos, um cientista ficava ao lado da cama para "lembrá-lo" do experimento.
 

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